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Mas se repararmos o que esses dois factos já por si representam, de chofre nos ocorrerá qual o perigo crescente e assolapado que nos confronta e breve, visível e inevitável, se erguerá diante de nós.
Urge para já a constituição de uma Liga Anticientífica onde se defendam os impreteríveis direitos que as térras desconhecidas têm de permanecer desconhecidas, e os países inexistentes de não verem de um día para o outro violada a sua neutralidade e forçados a entrar ñas campanhas da realidade. Nem se pode dizer que isto esteja fora dos bons princípios liberáis. O partido liberal inglês — partido representativo, mais do que nenhum, do liberalismo — teve quase sempre por doutrina (salvo, é claro, nos casos de utilidade nacional), por inviolável, a vida e instituições dos outros países. E ao mesmo tempo, esta doutrina é a sã e pura atitude conservadora, dado que o que se pretende defender é a Tradição, a Ordem, a Disciplina Social.
Na nossa política tem-se visto recentemente o resultado desta táctica revolucionária. Um grupo de dementados tem recentemente insistido pela implantação da monarquia no nosso país. Atentam assim, de ânimo leve, contra o carácter tradicional da monarquía, que é o de existir belamente e entusiasticamente — e isso só se pode dar estando ele sempre no passado e por isso acima das paixões e das flutuações do sentimentalismo humano. E atentam contra o sagrado princípio da Tradição, que exige e sempre exigiu que a Tradição ficasse no passado, sem que o presente lhe tocasse ou a atingisse, servindo-se dela.
É desolador este estado de coisas. Ninguém pensa para onde vai, o que será o dia de amanhã. Para alguns ele deve ser ontem. Assim passam, entre dúvidas e tédios, os nossos tristes e cansados dias.
Impõe-se uma reacção enérgica e disciplinada. Por toda a parte o espírito revolucionário e o excesso de espírito científico — ou, melhor, o espírito científico indisciplinado — pretendem avassalar a realidade. Ontem foi o pólo norte declarado descoberto. Todo o conservador estremeceu. Hoje é a Pérsia declarada existente. Todo aquele para quem a Tradição representa mais alguma coisa de que um nome sentiu as lágrimas chegarem-lhe aos olhos. Não pesou nada na balança dos escrúpulos dos cientistas a beleza dos poemas de um Hafiz, de um Rumi, de um Omar Khayyam. Foi em vão que estes grandes nomes do Passado tornaram grande e irreal e falsa a sua Pátria. Nada é sagrado para os demagogos de hoje. Que mais pretendem? Quanto mais váo ousar? Só lhes falta provar que Cristo foi uma realidade, que existiu o Império Romano, que as lutas políticas da Grécia tiveram lugar realmente. Que mais querem, os novos bárbaros?
Este grito é, bem o sei, lançado aos ventos. Nenhuma Liga Anticientífica se formará. Ninguém fará soar a sua voz de acordo com a minha contrta a invasão destes desintegradores da sociedade. Ficará tudo entregue aos «progressos» do espírito «científico». Hoje não podemos ter tapetes persas. Já tínhamos perdido as paisagens polares. Amanhã irão as sedas da China, as cutelarias do velho Japão. Assim progressivamente escassearão as subsistências e dentro em breve, absorvidos pela animalidade, ver-nos-emos obrigados a viver na terra como qualquer animal, a ter saúde como qualquer larva, a acreditar na vida como uma patagónia ou um cherokee. |