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Assim, não tendo quase resistências nenhumas que vencer, a revolução social, quando viesse, seria rápida, fácil, e não teria que estabelecer nenhuma ditadura revolucionária, por não ter contra quem aplicá-la. Se isto não pode ser assim, é que o anarquismo é irrealizável; e, se o anarquismo é irrealizável, só é defensável e justa, como já lhe provei, a sociedade burguesa.

«Ora aí tem você por que e como eu me tornei anarquista, e por que e como rejeitei, como falsas e antinaturais, as outras doutrinas sociais de menor ousadia.

«E pronto… Vamos lá a continuar a minha história.

Fez explodir um fósforo, e acendeu lentamente o charuto. Concentrou-se, e daí a pouco prosseguiu.

 

* * *

— Havia vários outros rapazes com as mesmas opiniões que eu. A maioria era de operários, mas havia um ou outro que o não era; o que todos éramos era pobres, e, que me lembre, não éramos muito estúpidos. A gente tinha uma certa vontade de se instruir, de saber coisas, e ao mesmo tempo uma vontade de propaganda, de espalhar as nossas ideias. Queríamos para nós e para os outros — para a humanidade inteira — uma sociedade nova, livre destes preconceitos todos, que fazem os homens desiguais artificialmente e Ihes impõem inferioridades, sofri-mentos, estreitezas, que a Natureza lhes não tinha imposto! Por mim, o que eu lia confirmava-me nestas opiniões. Em livros libertários baratos — os que havia ao tempo, e eram já bastantes — li quase tudo. Fui a conferências e comicios dos propagandistas do tempo. Cada livro e cada discurso me convencía mais da certeza e da justiça das minhas ideias. O que eu pensava então — repito-lhe, meu amigo — é o que pensó hoje; a única diferença é que então pensava-o só, e hoje penso-o e pratico-o.

— Pois sim; isso, até onde vai, está muito bem. Está muito certo que você se tornasse anarquista assim, e vejo perfeitamente que você era anarquista. Não preciso mais provas disso. O que eu quero saber é como é que daí saiu o banqueiro…, como é que saiu daí sem contradigo… Isto é, mais ou menos já calculo…

— Não, não calcula nada… Eu sei o que você quer dizer… Você baseia-se nos argumentos que me acaba de ouvir, e julga que eu achei o anarquismo irrealizável e por isso, como lhe disse, só defensável e justa a sociedade burguesa — não é?

— Sim, calculei que fosse mais ou menos isso…

— Mas como o podia ser, se desde o princípio da conversa lhe tenho dito e repetido que sou anarquista, que não só o fui mas o continuo sendo? Se eu me tivesse tornado banqueiro e comerciante pela razão que você julga, eu não era anarquista, era burguês.

— Sim, você tem razão… Mas então com os diabos…? Vá lá, vá dizendo…

— Como lhe disse, eu era (fui sempre) mais ou menos lúcido, e também um homem de acção. Essas são qualidades naturais; não mas puseram no berço (se é que eu tive berço), eu é que as levei para lá. Pois bem. Sendo anarquista, eu achava insuportável ser anarquista só passivamente, só para ir ouvir discursos e falar nisso com os amigos. Não: era preciso fazer qualquer coisa! Era preciso trabalhar e lutar pela causa dos oprimidos e das vítimas das convenções sociais! Decidi meter ombros a isso, conforme pudesse.

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