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Foi quando vi isto claramente, com toda a força da minha convicção de anarquista, e toda a minha lógica de homem lúcido, que entrei na fase actual — a comercial e bancária, meu amigo — do meu anarquismo.

Descansou um momento da violência, novamente cres-cente, do seu entusiasmo pela sua exposição. Depois continuou, ainda com um certo calor, a sua narrativa.

— Ora você lembra-se daquelas duas dificuldades lógicas que eu lhe disse que me haviam surgido no princípio da minha carreira de anarquista consciente?… E você lembra-se de eu lhe dizer que naquela altura as resolví artificialmente, pelo sentimento e não pela lógica? Isto é, você mesmo notou, e muito bem, que eu não as tinha resolvido pela lógica…

— Lembro-me, sim…

— E você lembra-se de eu lhe dizer que mais tarde, quando acertei por fim com o verdadeiro processo anarquista, as resolví então de vez, isto é, pela lógica?

— Sim.

— Ora veja como ficaram resolvidas… As dificuldades eram estas: não é natural trabalhar por qualquer coisa, seja o que for, sem uma compensação natural, isto é, egoísta; e não é natural dar o nosso esforço a qualquer fim sem ter a compensação de saber que esse fim se atinge. As duas dificuldades eram estas; ora repare como ficam resolvidas pelo processo de trabalho anarquista que o meu raciocínio me levou a descobrir como sendo o único verdadeiro… O processo dá em resultado eu enriquecer; portanto, compensação egoísta. O processo visa ao conseguimento da liberdade; ora eu, tornando-me superior à força do dinheiro, isto é, libertando-me déla, consigo liberdade. Consigo liberdade só para mim, é certo; mas é que, como já lhe proveí, a liberdade para todos só pode vir com a destruição das ficções sociais, pela revolução social, e eu, só por mim, não posso fazer a revoluto social. O ponto concreto é este: viso liberdade, consigo liberdade: consigo a liberdade que posso, porque, é claro, não posso conseguir a que não posso… E veja você: á parte o raciocinio que determina este processo anarquista como o único as dificuldades lógicas, que se podem opor a qualquer processo anarquista, mais prova que ele é o verdadeiro.

«Pois foi este o processo que eu segui. Meti ombros à empresa de subjugar a ficção dinheiro, enriquecendo. Consegui. Levou um certo tempo, porque a luta foi grande, mas consegui. Escuso de lhe contar o que foi e o que tem sido a minha vida comercial e bancária. Podia ser interessante, em certos pontos sobretudo, mas já não pertence ao assunto. Trabalhei, lutei, ganhei dinheiro; trabalhei mais, lutei mais, ganhei mais dinheiro; ganhei muito dinheiro por fim. Não olhei a processos — confesso-lhe, meu amigo, que não olhei a processos; empreguei tudo quanto há — o açambarcamento, o sofisma financeiro, a própria concorréncia desleal. O quê?! Eu combatía as ficções sociais, imorais e antinaturais por excelência, e havia de olhar a processos?! Eu trabalhava pela liberdade, e havia de olhar às armas com que combatía a tirania?! O anarquista estúpido, que atira bombas e dá tiros, bem sabe que mata, e bem sabe que as suas doutrinas não incluem a pena de morte. Ataca uma imoralidade com um crime, porque acha que essa imoralidade vale um crime para se destruir.

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