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— Não concordaram, é claro…

— Repontaram, meu amigo, repontaram todos! Uns mais, outros menos, tudo protestou!.. Não era isso!.. Isso não podia ser!.. Mas ninguém dizia o que era ou o que é que havia de ser. Argumentei e argumentei, e, em resposta aos meus argumentos, não obtive senão frases, lixo, coisas como essas que os ministros respondem ñas câmaras quando não têm resposta nenhuma… Então é que eu vi com que bestas e com que cobardóes estava metido! Desmascararamse. Aquela corja tinha nascido para escravos. Queriam ser anarquistas à custa alheia. Queriam a liberdade, logo que fossem os outros que lha arranjassem, logo que lhes fosse dada como um rei dá um título! Quase todos eles são assim, os grandes lacaios!

— E você, escamou-se?

— Se me escamei! Enfureci-me! Pus-me aos coices. Dei por paus e por pedras. Quase que me peguei com dois ou trés deles. E acabei por me vir embora. Isolei-me. Veio-me um nojo àquela carneirada toda, que você não imagina! Quase que descri do anarquismo. Quase que decidí não me importar mais com tudo aquilo. Mas, passados uns dias, voltei a mim. Pensei que o ideal anarquista estava acima destas quezílias. Eles não queriam ser anarquistas? Sê-lo-ia eu. Eles queriam só brincar aos libertários? Não estava eu para brincar num caso desses. Eles não tinham força para combater senão encostados uns aos outros, e criando, entre si, um simulacro novo da tirania que diziam querer combater? Pois que o fizessem, os parvos, se não serviam para mais. Eu é que não ia ser burgués por tão pouco.

«Estava estabelecido que, no verdadeiro anarquismo, cada um tem que, por suas próprias forças, criar liberdade e combater as ficčões sociais. Pois por minhas próprias forças eu ia criar liberdade e combater as ficções sociais. Ninguém queria seguir-me no verdadeiro caminho anarquista? Seguiria eu por ele. Iria eu só, com os meus recursos com a minha fé, desacompanhado até do apoio mental dos que tinham sido meus camaradas, contra as ficções sociais inteiras. Não digo que fosse um belo gesto, nem um gesto heróico. Foi simplesmente um gesto natural. Se o caminho tinha que ser seguido por cada um separadamente, eu não precisava de mais ninguém para o seguir. Bastava o meu ideal. Foi baseado nestes princípios e nestas circunstências que decidi, por mim só, combater as ficções sociais.

Suspendeu um pouco o discurso, que se lhe tornara quente e fluido. Retomou-o dali a pouco, com a voz já mais sossegada.

 

* * *

— É um estado de guerra, pensei eu, entre mim e as ficções sociais. Muito bem. O que posso eu fazer contra as ficções sociais? Trabalho sozinho, para não poder, de modo nenhum, criar qualquer tirania. Como posso eu colaborar sozinho na preparação da revolução social, na preparação da humanidade para a sociedade livre? Tenho que escolher um de dois processos, dos dois processos que há; caso, é claro, não possa servir-me de ambos. Os dois processos são a acção indirecta, isto é, a propaganda, e a acção directa, de qualquer espécie.

«Pensei primeiro na acção indirecta, isto é, na propaganda. Que propaganda poderia eu fazer só por mim? À parte esta propaganda que sempre se vai fazendo em conversa, com este ou aquele, ao acaso e servindo-nos de todas as oportunidades, o que eu quería saber era se a acção indirecta era um caminho por onde eu pudesse encaminhar a minha actividade de anarquista energicamente, isto é, de modo a produzir resultados sensíveis.

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