Sim: o Bastos tratou-me mal, mas tratou bem a verdade. Não há nada como o BERRYLOID.
…Tanto assim que, quando comprei o meu segundo carro, tratei logo de saber se ele vinha já pintado a BERRYLOID. Ele aí está na base da página e no fim da minha história. Passa-se a camurça, mas é preciso usar óculos fumados: o brilho deslumbra. E, o que é mais, deslumbrará, porque dura.
A minha camurça dura eternamente. O que se tem gasto muito são os óculos fumados; e os elogios dos amigos que vêem os meus carros pintados a BERRYLOID.
Um grande português ou A origem do conto do vigário
Vivía, há já não poucos anos, algures num concelho do Ribatejo, um pequeno lavrador, e negociante de gado, chamado Manuel Peres Vigário.
Da sua qualidade, como diriam os psicólogos práticos, falará o bastante a circunstância que dá princípio a esta narrativa.
Chegou uma vez ao pé dele certo fabricante ilegal de notas falsas, e disse-lhe: «Senhor Vigário, tenho aqui urnas notazinhas de cem mil réis que me falta passar. O senhor quer? Largo-lhas por vinte mil réis cada uma». «Deixa ver», disse o Vigário; e depois, reparando logo que eram imperfeitíssimas, rejeitou-as: «Para que quero eu isso?», disse; «isso nem a cegos se passa». O outro, porém, insistiu; Vigário cedeu um pouco, regateando; por fim fez-se negócio de vinte notas a dez mil réis cada uma.
Sucedeu que dali a días tinha o Vigário que pagar a uns irmãos, negociantes de gado como ele, a diferença de uma conta, no valor certo de um conto de réis. No primeiro dia da feira, em a qual se deveria efectuar o pagamento, estavam os dois irmãos jantando numa taberna escura da localidade, quando surgiu pela porta, cambaleante de bêbado, o Manuel Peres Vigário. Sentou-se à mesa deles, e pediu vinho. Daí a um tempo, depois de vária conversa, pouco inteligível da sua parte, lembrou que tinha que tinha que pagar-lhes. E, puxando da carteira, perguntou se se importavam de receber tudo em notas de cinquenta mil réis. Eles disseram que não; e, como a carteira nesse momento se entreabrisse, o mais vigilante dos dois chamou, com um olhar rápido, a atenção do irmáo para as notas, que se via eram de cem.
Houve então a troca de outro olhar.
O Manuel Peres, com lentidão, contou trémulamente vinte notas, que entregou. Um dos irmãos guardou-as logo, tendo-as visto contar, nem se perdeu em olhar mais para elas. O Vigário continuou a conversar, e, várias vezes, pediu e bebeu mais vinho. Depois, por natural efeito da bebedeira progressiva, disse que queria ter um recibo. Não era uso, mas nenhum dos irmãos fez questão. Ditava ele o recibo, disse, pois queria as coisas todas certas. E ditou o recibo — em recibo de bêbado, redundante e absurdo: de como em tal dia, a tais horas, na taberna de fulano, «estando nós a jantar» (e por ali fora com toda a prolixidade frouxa do bêbado…), tinham eles recebido de Manuel Peres Vigário, do lugar de qualquer coisa, em pagamento de não sei quê, a quantia de um conto de réis em notas de cinquenta mil réis. O recibo foi datado, foi selado, foi assinado. O Vigário meteu-o na carteira, demorou-se mais um pouco, bebeu ainda mais vinho, e daí a um tempo foi-se embora.
Quando, no próprio dia ou no outro, houve ocasião de se trocar a primeira nota, o que ia a recebê-la devolveu-a logo, por escarradamente falsa, e o mesmo fez à segunda e à terceira… E os irmãos, olhando então verdadeiramente para as notas, viram que nem a cegos se poderiam passar. |