Agora parece que um explorador moderno afirma a sua existência. Se bem que os exploradores modernos sejam, como em geral todos os homens de ciência, susceptíveis de erro mais que os outros homens, disse-me há pouco um jornalista que o facto merece crédito. A ser verdade (eu ainda hesito) resta saber que nome se vai dar de hoje em diante aos tapetes persas. E a poesia persa — a propósito — que nova denominado vai ter?
Serve-me este assunto de tema para expor certas opiniões que há muito tempo uso sobre o modo extraordinariamente intenso como, de há tempo para cá, a ciência grassa e o espírito científico nos ataca. Se daqui a pouco o pólo sul vai também desatar a ser real, não sei a que ponto chegaremos. Breve existirá tudo e não está longe o dia, talvez, em que basta sonharmos uma rainha medieval para ela nos entrar, contemporânea e anatomizável, pela porta dentro, depois de bater à realidade da campainha e se fazer anunciar pela presença beiroa da criada.
Afirmou-me um amigo meu, o qual, por culto, me merece um crédito dubitante, que lera em livro de Guyau que um Keats brindara coisas más para a memória de Newton porque ele fizera qualquer coisa como descobrir leis que tinham que ver com os astros. Se ponho certo vago na minha descrição é porque não tenho a mínima ideia do que Newton fez ou descobriu. O facto, agora, é o brinde de Keats. Esse brinde contém uma intuição justa. A aplicação é que é péssima. Não fez mal a ninguém descobrir as leis dos astros. Eles sempre foram visíveis. E a sua boa qualidade de serem longínquos, não lha tirou a descoberta de Newton, fosse ela qual fosse; e, de mais a mais, essa descoberta, sendo matemática e portanto totalmente com feição de falsa, fez, do mal inevitável, o menos possível.
Desviei-me um parágrafo do assunto, para poder ver bem o que me convinha ter sempre pensado dele. Estou agora de posse da ideia de que sempre concordei com a essência do brinde de Keats. É necessário, pondo o problema no campo político e social (aqui vem a minha originalidade), estudar como se deve coibir e disciplinar utilmente a acção da investigação, da exploração e da ciência em geral.
Que a existência de laboratórios seja uma mancha sobre a nossa civilização — ninguém de ânimo firme o nega, ou também que as perigosas facilidades dadas ao trânsito por térras secularmente entregues à tradicional actividade dos salteadores, e mares donde o carácter revolucionário da civilização moderna baniu a instituição dos piratas, seja um dos mais licenciosos resultados da Revolução Francesa e do espírito anarquista em geral. Mas, em lugar de se atentar para estas deficiências de disciplina e de ordem que repugnam tanto ao espírito positivo como ao são critério expresso na máxima de São Tomás de Aquino — eadem res generatur et conservantur in esse —, o exagerado amor ao sensacionalismo da vida moderna, e a doentia tendência para acreditar ñas informações dos jornais têm favorecido, sem que alguém pense em as dever evitar, o desenvolvimento do espírito científico.
Por ora as consequências da fraqueza das instituições democráticas têm sido notadas. Salvo o facto — contestável, de resto, manda a verdade que se diga — da descoberta do pólo norte, e agora este, recentíssimo, da afirmação da existência da Pérsia, poucas têm sido as consequências notáveis. |